An idea I'm working on about the solitude of the internet, de Kyle Steed - (cc) |
Stephen Marche*
Yvette Vickers, uma ex-coelhinha da Playoby e estrela de filmes B, mais conhecida por seu papel em O Ataque da Mulher de 15 Metros (Attack of the 50 Foot Woman), deveria ter 83 anos em agosto passado, porém ninguém sabe exatamente com quantos anos ela morreu. De acordo com o relatório do médico legista de Los Angeles, ela já estava morta durante boa parte do ano, antes que uma vizinha e amiga da atriz, uma mulher chamada Susan Savage, notasse teias de aranha e cartas amareladas na caixa de correio dela e, abrindo a porta através de uma janela quebrada, caminhasse entre pilhas de lixo postal e montes de roupa que lotavam a casa. Subindo as escadas, ela encontrou o corpo de Vicky mumificado, próximo a um aquecedor que continuava funcionando. Seu computador também estava ligado, com seu brilho preenchendo o espaço vazio.
O Los Angeles Times postou uma reportagem intitulada “Corpo mumificado da ex-coelhinha da Playboy Yvette Vickers é encontrado em sua casa em Benedict Canyon”, que rapidamente tornou-se tornou viral. Em duas semanas, pela contagem do Technorati, a morte solitária de Vicker já tinha sido assunto de 16.057 postagens no Facebook e 881 tweets. Ela tinha sido um ícone dos filmes de terror, um símbolo da capacidade de Hollywood de explorar nossos medos básicos dos modos mais tolos; agora ela era um ícone de um novo e diferente tipo de horror: nosso crescente medo da solidão. Certamente, ela recebeu bem mais atenção na morte do que em seus anos finais de vida. Sem crianças, sem grupo religioso e nenhum círculo social imediato de qualquer tipo, ela havia começado, como uma mulher idosa, a procurar algum lugar para companhia. Savage contou depois à revista Los Angeles que ela procurou nas contas de telefone de Vicker por pistas sobre a vida que a levou a tal fim. Nos meses anteriores a sua morte grotesca, Vicker tinha feito chamadas não para amigos ou para a família, mas para fãs distantes, que ela havia encontrado por meio de convenções e sites de fãs da internet.
A rede de conexões de Vicker tinha crescido amplamente, porém de modo superficial, como acontece com muitos de nós. Estamos vivendo em um isolamento que teria sido inimaginável para nossos ancestrais, ainda que tenhamos nos tornado mais acessíveis. Nas últimas três décadas, a tecnologia tem construído um mundo em que nós não precisamos estar fora de contato por uma fração de segundo. Em 2010, ao custo de 300 milhões de dólares, 800 quilômetros de fibras óticas ligaram a Bolsa Mercantil de Chicago e a Bolsa de Valores de Nova Iorque, tornando a relação comercial algo que leva três milionésimos de segundo. Porém, nesse mundo de comunicação instantânea e absoluta, não limitados por barreiras de tempo ou espaço, nós sofremos de uma alienação sem precedentes. Nunca estivemos menos ligados aos outros, ou mais solitários. Num mundo consumido por novos modos de socialização, temos cada vez menos uma sociabilidade real. Vivemos numa contradição acelerada: quando mais conectados somos, mais solitários nos tornamos. Foi-nos prometida uma aldeia global, ao invés disso habitamos becos sem saída tediosos e as autoestradas sem fim de um vasto subúrbio de informação.
Na vanguarda de toda essa inesperada interatividade solitária está o Facebook, com 845 milhões de usuários e $3,7 bilhões de receitas no ano passado. A companhia espera obter $5 bilhões em uma oferta pública inicial nessa primavera, que irá torná-la, de longe, a maior IPO de empresa da internet da história. Algumas estimativas recentes colocam o valor potencial da companhia em $100 bilhões, o que a faria valer mais que a indústria global de café – um vício preparando-se para ultrapassar o outro. A escala e o alcance do Facebook são difíceis de entender: no último verão, o Facebook tornou-se, segundo algumas estimativas, o primeiro web site a receber 1 trilhão de páginas vistas em um mês. Nos últimos três meses de 2011, os usuários produziram uma média de 2,7 bilhões de “curtir” e comentários todo dia. Seja qual for a medida usada para avaliar o Facebook – como uma companhia, como uma cultura, como um país –, ele é vasto, além da imaginação.
Apesar de sua imensa popularidade, ou mais provavelmente por isso mesmo, o Facebook tem estado, desde o início, sob uma nuvem de suspeita. A representação de Mark Zuckerberg, em A Rede Social (The Social Network) como um bastardo com sintomas da síndrome de Asperger era um absurdo. Porém, nós a sentimos como verdadeira. Sentimos que era verdade para o Facebook, se não para Zuckerberg. A cena mais marcante do filme, a única pela qual ele poderia muito bem ter merecido um Oscar, era o final, a silenciosa tomada de um Zuckerberg anômico, enviando um pedido de amizade para sua ex-namorada, enquanto espera e clica, espera e clica – um momento de solidão superconectada preservado em âmbar. Nós todos já estivemos naquela cena: paralisados pelo brilho de uma tela, famintos por uma resposta.
Quando você se inscreve no Google+ e configura seu círculo de amigos, o programa solicita que você inclua apenas “seus amigos reais, aqueles a quem você se sente confortável de compartilhar dimensões privadas”. Esta única pequena frase, seus reais amigos – tão pitoresca, tão encantadoramente materna – sintetiza de modo perfeito as ansiedades que as mídias sociais têm produzido: o temor que o Facebook interfira com nossas amizades reais, distanciando-nos uns dos outros, tornando-nos mais solitários, e que a rede social talvez possa espalhar mais o isolamento do que ser capaz de superá-lo.
O Facebook apareceu no meio de um dramático crescimento na quantidade e intensidade da solidão humana, uma ascensão que inicialmente fez a promessa de maior conexão do site ser profundamente atrativa. Os americanos são mais solitários do que já foram antes. Em 1950, menos de 10 por cento das residências americanas continham apenas uma pessoa. Perto de 2010, aproximadamente 27 por cento das residências tinha apenas uma pessoa. Viver só não garante uma vida de infelicidade, é claro. Em seu recente livro sobre a tendência a respeito da vida solitária, Eric Klinenberg, um sociólogo da NYU, escreve: “Volumes de pesquisas publicadas mostram que é a qualidade, não a quantidade de interação social, o que melhor prediz a solidão”. Verdade. Porém, antes de começarmos as fantasias do feliz solteirão excêntrico, dos divorciados que trocam seus círculos de tricô após o trabalho por copos de Drew Barrymore ou os recém-formados perfeitamente acomodados em apartamentos, no estilo steampunk, de 300 metros quadrados, organizando partidas de croquet em seus clubes do livro, devemos reconhecer que não é apenas o isolamento que está crescendo rapidamente. É a solidão também. E a solidão nos torna miseráveis.
Sabemos intuitivamente que a solidão e estar sozinho não são a mesma coisa. A solidão pode ser adorável. Festas lotadas podem ser agonizantes. Nós sabemos também, graças a um crescente conjunto de pesquisas sobre o assunto, que a solidão não é questão de condições externas; ela é um estado psicológico. A análise de dados de um estudo longitudinal, de 2005, de gêmeos holandeses, mostrou que a tendência para a solidão tinha basicamente o mesmo componente genético de outros problemas psicológicos, como a neurose ou a ansiedade.
Ainda assim, a solidão é escorregadia, um estado difícil de definir ou diagnosticar. O melhor instrumento desenvolvido para medir essa condição é a Escala de Solidão UCLA, uma série de 20 questões que se iniciam todas com essa formulação: “Com que frequência você se sente...?” Como em: “Com que frequência você sente que você está ‘em sintonia’ com as pessoas ao seu redor?” E: “Com que frequência você sente falta de companhia?” Medindo as condições nesses termos, vários estudos têm mostrado um crescimento dramático da solidão em um período muito curto da história recente. Um survey de 2010 da AARP descobriu que 35 por cento dos adultos com mais de 45 anos eram cronicamente solitários, em oposição a 20 por cento de um grupo similar, apenas uma década antes. De acordo com o estudo mais amplo de um acadêmico especialista no assunto, cerca de 20 por cento dos americanos – por volta de 60 milhões de pessoas – estavam infelizes com suas vidas devido à solidão. Em todo o mundo ocidental, os médicos e enfermeiros começaram a falar abertamente de uma epidemia de solidão.
Os novos estudos sobre a solidão estão começando a mostrar algumas descobertas preliminares surpreendentes a respeito dos seus mecanismos. Quase todo fator que deve ter efeitos na solidão a afeta somente parte do tempo e sob certas circunstâncias. As pessoas casadas são menos solitárias que as solteiras, um artigo de jornal sugere, porém, que isso ocorre somente se os cônjuges são confidentes. Se um parceiro conjugal não é confidente, o casamento pode não diminuir a solidão. A crença em Deus pode ajudar, ou talvez não, como em um estudo alemão de 1990 comparando níveis descobertos de sentimento religioso com os níveis de solidão. Os crentes ativos que viam Deus como abstrato e prestativo, mais do que uma irada presença imediata, eram menos solitários. “A mera crença em Deus”, os investigadores concluem, “era relativamente independente da solidão”.
Entretanto, é claro que a interação social importa. Solidão e estar só não são a mesma coisa, porém ambas estão em ascensão. Nós conhecemos menos pessoas. Temos menos encontros. E quando nos reunimos nossos laços são menos significativos e menos fáceis. O decréscimo dos confidentes – isto é, em qualidade nas conexões sociais – tem sido dramático durante os últimos 25 anos. Em uma investigação, o tamanho médio das redes de confidentes pessoais diminuiu de 2,94 pessoas em 1985 para 2,08 em 2004. De modo similar, em 1985, apenas 10 por cento dos americanos disse não ter ninguém com quem discutir assuntos importantes, e 15 por cento disseram que tinham apenas um único bom amigo. Em 2004, 25 por cento não tinham ninguém para falar e 20 por cento tinham apenas um confidente.
Em face dessa desintegração social, temos essencialmente contratado um exército de confidentes, uma classe inteira de profissionais do cuidado. Como Ronald Dworkin apontou em um artigo de 2010 para a Hoover Institution, no final dos anos 40, os Estados Unidos abrigavam 2.500 psicólogos clínicos, 30.000 assistentes sociais, e menos de 500 terapeutas familiares e conjugais. A partir de 2010, o país tinha 77.000 psicólogos clínicos, 192.000 assistentes sociais clínicos, 400.000 assistentes sociais não clínicos, 50.000 terapeutas conjugais e familiares, 105.000 conselheiros de saúde mental, 220.000 conselheiros para o abuso de substâncias, 17.000 enfermeiras psicoterapeutas e 30.000 treinadores vitais. A maioria dos pacientes em terapia não possui um diagnóstico psiquiátrico. Esse conjunto de profissionais psíquicos está nos ajudando com o que costumava ser chamado de problemas normais. Nós temos terceirizado o trabalho do cuidado cotidiano.
Nós precisamos de profissionais de carreira cada vez mais, porque a ameaça de colapso social, outrora matéria principalmente de lamentos nostálgicos, tem se tornado uma questão de saúde pública. Ser solitário é extremamente ruim para nossa saúde. Se você está sozinho, é mais provável que seja colocado num asilo numa idade menor que uma pessoa similar que não está. Você provavelmente faz menos exercícios. É mais propenso a ser obeso. Tem menos chance de sobreviver a uma operação séria e tem mais prováveis desequilíbrios hormonais. Você corre um grande risco de inflamações. Sua memória pode ser pior. Você tende mais a ser deprimido, dormir mal e sofrer de demência ou declínio cognitivo generalizado. A solidão pode não ter matado Yvette Vickers, mas ela tem sido relacionada a uma grande probabilidade de ter o tipo de doença cardíaca que a matou.
Mesmo assim, apesar de seu efeito prejudicial na saúde, a solidão é uma das primeiras coisas com que os americanos comuns gastam seu dinheiro para alcançar. Com dinheiro, você foge da cidade apertada para uma casa nos subúrbios ou, se você puder pagar, uma McMansão mais além dos subúrbios, inevitavelmente gastando mais tempo em seu carro. A solidão está no núcleo americano, é um subproduto de uma vontade nacional de longa data por independência: os peregrinos que deixaram a Europa abandonaram voluntariamente as obrigações e restrições de uma sociedade que não aceitava seu direito de ser diferente. Eles não procuraram a solidão, porém a aceitaram como o preço por sua autonomia. Os cowboys que partiram para explorar uma aparentemente interminável fronteira, do mesmo modo trocaram os laços sociais pelo orgulho e autorrespeito. O último ícone americano é o astronauta: quem é mais heroico ou mais solitário? O preço da autodeterminação e da autossuficiência tem sido com frequência a solidão. Mas os americanos têm sempre estado dispostos a pagar esse preço.
Hoje, a única característica comum na cultura secular americana é sua celebração do eu que rompe com as contrições da família e do estado e, nas suas maiores expressões, de completamente todos os limites. O grande poema americano é “Song of Myself” (Canto de mim mesmo) de Whitman. O grande ensaio americano é “Self-Reliance” (Autossuficiência) de Emerson. O grande romance americano é Moby Dick de Melville, a história de um homem cuja missão é tão solitária que é incompreensível para todos à volta dele. A cultura americana, alta e baixa, é sobre a autoexpressão e autenticidade pessoal. Frank Delano Roosevelt chamou o individualismo de “a grande palavra de ordem da vida americana”.
A autoinvenção é apenas metade da história, porém. A busca por isolamento tem sido sempre tensionada pelo impulso ao agrupamento em comunidades que se unem e sufocam. Os peregrinos, quando fomentaram sua rebelião espiritual, também compeliram a uma feroz coesão. Os julgamentos das bruxas de Salem, em retrospecto, significaram tentativas para impor a solidariedade – assim como as audiências de McCarthy. A história dos Estados Unidos é como a famosa parábola dos porcos-espinhos no frio, dos Estudos sobre o Pessimismo de Schopenhauer – que se amontoam em busca de calor e encontram dor, sempre se separando e se juntando.
Estamos agora no meio de um longo período de dispersão. Em seu livro, de 2000, Bowling Alone (Boliche solitário) Robert D. Putman atribuiu o dramático declínio do capital social – a força e valor de redes interpessoais – a numerosas tendências interconectadas na vida americana: a expansão do subúrbio, a dominância da televisão sobre a cultura, a autoabsorção dos baby boomers, a desintegração da família tradicional. As tendências que ele observou continuam, sem interrupção, a prosperar em números, e têm somente se tornado mais pronunciadas com o tempo: a taxa de sindicalização caiu em 2011, novamente; organizações como a maçonaria e a ordem dos Elks continuam seu declínio até a irrelevância. Nós estamos sozinhos porque desejamos ficar sós. Nós temos produzido nossa própria solidão.
A questão para o futuro é essa: o Facebook é parte da separação ou parte da congregação; ele está juntando para o calor ou misturando na dor?
Bem antes do Facebook, a tecnologia digital estava possibilitando nossa tendência para o isolamento, em um nível sem precedentes. Já na década de 1990, os estudiosos começaram a chamar a contradição entre uma oportunidade maior de conexão e a falta de contato humano de “o paradoxo da internet”. Um artigo de destaque de 1998 sobre o fenômeno, de um grupo de pesquisadores da Carnigie Mellon, mostrou que o uso crescente da internet já estava coincidindo com o aumento da solidão. Os críticos do trabalho apontaram que os dois grupos que participaram do estudo – estudantes colegiais de jornalismo que estavam indo para a universidade e membros socialmente ativos da comunidade de desenvolvimento de conselhos – eram estatisticamente mais propensos a tornarem-se mais solitários ao longo do tempo. O que nos leva a uma questão mais fundamental: a internet torna as pessoas mais solitárias, ou são as pessoas solitárias as mais atraídas pela internet?
A questão tem se intensificado na era do Facebook. Um estudo recente da Austrália (onde quase metade da população é ativa no Facebook), intitulado “Quem usa o Facebook?”, revelou uma complexa e por vezes confusa relação entre a solidão e a rede social. Os usuários do Facebook tinham níveis ligeiramente mais baixos de “solidão social” – a percepção de não estar ligado a amigos – porém “níveis significativamente mais altos de solidão familiar” – a crença de não se sentirem ligados à família. Parece que o Facebook favorece mais o contato com pessoas fora de nossa família, à custa de nossas relações familiares – ou pode ser que as pessoas que têm primeiramente um relacionamento familiar infeliz busquem companhia por outros meios, incluindo o Facebook. A pesquisa também descobriu que pessoas solitárias são mais propensas a gastarem mais tempo no Facebook: “Uma das mais notáveis descobertas”, eles escreveram, “foi a tendência de indivíduos neuróticos ou solitários gastarem muito mais tempo por dia no Facebook que os indivíduos não solitários”. E eles perceberam que os neuróticos mais comumente preferem usar o mural, enquanto os extrovertidos usam recursos de chat, além do próprio mural.
Moira Burke, até recentemente uma estudante de graduação do Instituto de Computação Humana da Carnegie Mellon, conduziu um estudo longitudinal de 1.200 usuários do Facebook. Este estudo é um dos primeiros a deixar de usar estudantes universitários autosselecionados, examinando os efeitos do Facebook em uma população mais ampla, ao longo do tempo. Ela concluiu que o efeito do Facebook depende do que você leva a ele. Mais ou menos como sua mãe diz: você coloca apenas o que tirar. Se você usa o Facebook para se comunicar diretamente com outros indivíduos – usando o botão “curtir”, comentando as postagens dos seus amigos, e assim por diante – isso aumenta seu capital social. A personalização de mensagens, ou o que Burke chama de “comunicação composta”, é mais satisfatória que a “comunicação de um clique” – o clique preguiçoso no curtir. “As pessoas que recebem comunicação compostas tornam-se menos solitárias, já aqueles que recebem a comunicação de um clique não tiveram nenhuma mudança na solidão”, Burke afirma. Assim, você deve escrever para sua amiga, dizendo quão adorável o filho dela é com a cara lambuzada de bolo, parecendo Harry Poter, e o quão interessante é a foto dela em tom sépia de uma árvore emoldurada pela linha do horizonte, e que legal que em qualquer lugar que ela esteja algo acontece. Isto é o que todos nós queremos ouvir. Ainda melhor do que quando enviando como mensagem privada do Facebook é a conversa semipública, o tipo de bate-e-volta na qual você ignora parcialmente as outras pessoas que podem estar ouvindo. “As pessoas cujos amigos escrevem a elas no modo semipúblico no Facebook vivenciam um decréscimo na solidão”, diz Burke.
Por outro lado, o uso não personalizado do Facebook – passar os olhos nas atualizações dos amigos e focar o mundo nas atualizações das próprias atividades via o mural – o que Burke chama de “consumo passivo” ou “broadcasting” – correlaciona-se ao sentimento de desconectividade. É uma ocupação solitária, vagar pelas identidades projetadas de nossos amigos ou pseudoamigos, tentando imaginar que parte de nós mesmos faz parte delas, quem as escuta, o que ouvem. De acordo com Burke, o consumo passivo do Facebook também está relacionado com um aumento marginal da depressão. “Se duas mulheres conversam com os amigos a mesma quantidade de tempo, porém uma delas gasta muito mais tempo lendo sobre os amigos no Facebook, a que lê tende a ter um leve aumento na depressão”, Burke diz. Sua conclusão é que minhas reações infelizes ao Facebook são mais universais do que eu havia pensado. Quando eu passo página após página das descrições de como acidentalmente eloquentes são seus filhos, e como amorosamente atrapalhados são seus maridos, e que eles estão todos prestes a comer uma refeição caseira preparado com produtos orgânicos frescos, comprados direto da fazenda, e então vão exercitar-se correndo e talvez verificar o escritório, porque eles estão ocupados tentando preparar sua semana de viagem de luxo com cães de trenó na Lapônia, sinto-me um pouco mais miserável. Um monte de outras pessoas fazendo a mesma coisa piora, também, um pouco o sentimento.
A despeito disso, a pesquisa de Burke não suporta a conclusão de que o Facebook cria a solidão. As pessoas que experimentam a solidão no Facebook são solitárias fora dele, também, ela aponta; no Facebook, como em qualquer lugar, a correlação não é causalidade. Os garotos populares são populares, e os solitários tímidos envergonhados são sós. Talvez diga algo sobre mim, pensar que o Facebook seja primariamente uma plataforma para a timidez solitária. Mencionei a Burke o estudo amplamente conhecido, conduzido por um aluno de Stanford, que mostrou que a crença que os outros têm redes sociais fortes pode levar a sentimentos de depressão. O que o Facebook comunica, se não a impressão de recompensa social? Todo mundo parece tão feliz no Facebook, com tantos amigos, que a nossa própria rede social parece mais vazia em comparação. Isso não faz as pessoas sentirem-se solitárias? “Se as pessoas estão lendo sobre vidas que são muitos melhores que as delas, duas coisas podem acontecer”, Burke disse-me. “Elas podem se sentir pior sobre si mesmas, ou elas podem se sentir motivadas”.
Burke irá começar a trabalhar no Facebook como uma cientista de dados este ano.
John Cacioppo, o director do Centro de Neurociência Social e Cognitiva da Universidade de Chicago, é o principal especialista mundial em solidão. Em seu livro de referência, Solidão, lançado em 2008, ele simplesmente demonstrou o quão profundamente a epidemia de solidão está afetando funções básicas da psicologia humana. Ele descobriu níveis mais altos de adrenalina, o hormônio do stress, na urina matinal de pessoas solitárias. A solidão penetra fundo: “Quando nós coletamos o sangue de adultos mais velhos e analisamos seus glóbulos brancos”, ele escreve, “nós descobrimos que a solidão de algum modo penetra os mais profundos recessos da célula para alterar o modo como os genes estarão sendo expressos”. A solidão afeta não apenas o cérebro, mas, depois, o processo básico da transcrição de DNA. Quando você está sozinho, seu corpo inteiro está sozinho.
Para Cacioppo, a comunicação pela internet permite apenas um simulacro da intimidade. “Estabelecer contatos com animais de estimação ou amigos on-line ou mesmo Deus é uma nobre tentativa feita por um ser obrigatoriamente gregário para satisfazer uma necessidade básica”, ele escreve. “Porém, os substitutos nunca podem suprir completamente a ausência da coisa real”. A “coisa real” são pessoas reais, em carne e osso. Na conversa com Cacioppo, ele é agradavelmente claro no que ele enxerga como o efeito do Facebook na sociedade. Sim, ele admite, algumas pesquisas têm sugerido que quanto maior o número de amigos do Facebook de uma pessoa, menos solitária ela é. Porém, ele argumenta que a ideia que isso gera pode ser enganadora. “Na maioria das vezes”, ele diz, “as pessoas estão levando seus velhos amigos, e sentimentos de solidão ou conectividade, para o Facebook”. A ideia que o web site poderia oferecer um mundo mais amigável, interconectado é falsa. A profundidade de uma rede social fora do Facebook é que determina a profundidade de uma rede dentro dele, e não o contrário. Utilizar a mídia social não cria novas redes sociais, apenas transfere redes estabelecidas de uma plataforma para outra. Para a maioria, o Facebook não destrói amizades, porém ele, igualmente, não as cria.
Em um experimento, Cacioppo focalizou a conexão entre a solidão dos indivíduos e a frequência relativa de suas interações via Facebook, salas de bate-papo, jogos online, sites de namoro e contato face a face. Os resultados foram inequívocos. “Quanto maior a proporção de interações face a face, menos solitário você é”, ele diz. “Quanto maior a proporção de interações on-line, mas solitário você”. Sem dúvida, eu sugeri a Cacioppo, isso significa que o Facebook e similares inevitavelmente tornavam as pessoas mais solitárias. Ele discorda. O Facebook é somente uma ferramenta, ele diz, e como qualquer ferramenta, sua efetividade dependerá do seu uso. “Se você usa o Facebook para aumentar o contato face a face”, ele explica, “isso aumenta o capital social”. Assim se a mídia social nos permite organizar um jogo de futebol entre amigos, isso é saudável. Se você utiliza a mídia social ao invés de jogar futebol, entretanto, será doentio.
“O Facebook pode ser ótimo, se nós o usarmos corretamente”, Cacioppo continua. “Ele é como um carro. Você pode dirigir para se encontrar com seus amigos. Ou pode dirigir sozinho.” Mas o carro não tem aumentado a solidão? Se os carros criaram o subúrbio, evidentemente eles criaram também o isolamento. “Isso é devido a como usamos os carros”, Cacioppo responde. “Como nós usamos as tecnologias pode nos levar a uma maior integração, mais do que a isolamento”.
O problema, então, é que nós promovemos a solidão, ainda que ela nos torne miseráveis. A história do nosso uso da tecnologia é uma história do isolamento desejado e alcançado. Quando a Great Atlantic & Pacific Tea Company abriu suas lojas A&P, proporcionando aos americanos um autosserviço de acesso às mercadorias, os consumidores pararam de ter relações com as suas mercearias. Quando o telefone chegou, as pessoas pararam de bater na porta de seus vizinhos. A mídia social leva este processo a um nível mais amplo de relacionamentos. Pesquisadores do Laboratório de Computação Social da HP que estudaram a natureza das conexões das pessoas no Twitter chegaram a uma depressiva, se não surpreendente, conclusão: “A maioria das relações efetuadas com o Twitter era sem sentido de um ponto de vista interativo”. Devo imaginar: qual o outro ponto de vista que é significativo?
A solidão, certamente, não é algo que o Facebook ou o Twitter nem qualquer uma das formas menores de mídia social está fazendo por nós. Nós estamos fazendo isso por nós mesmos. Imaginar a tecnologia como uma espécie de onda, um espírito impessoal da história forçando nossas ações é uma desculpa fraca. Nós tomamos decisões sobre como usaremos as nossas máquinas, e não o contrário.
Toda hora eu vou à mercearia local, e sou exposto a uma escolha. Posso comprar minhas mercadorias de um ser humano ou de uma máquina. Sempre, sem exceção, escolho a máquina. Ela é mais rápida e mais eficiente, digo a mim mesmo, porém a verdade é que eu prefiro não ter que esperar com os outros consumidores que estão na fila da esteira rolante: a mãe hippie que desaprova o alto teor de carbono de meu abacaxi, a jovem tensa à beira das lágrimas enquanto aguarda para ver se os deuses da máquina de cartão de crédito irão aceitá-lo ou não, o ancião desajeitado cuja fragilidade requer uma paciência que não possuo. Muito melhor do que passar por esse circo todo é fazer as compras por mim mesmo.
Nossas onipresentes novas tecnologias nos conduzem a conexões cada vez mais superficiais, exatamente no mesmo momento em que permitem evitar a fácil confusão da interação humana. A beleza do Facebook, a fonte de seu poder, é que ele nos permite ser sociais, nos poupando do embaraço da realidade social – as revelações acidentais que fazemos em festas, as pausas desajeitadas, os gases e as bebidas derramadas e o desastrado contato geral face a face. Ao invés disso, nós temos a adorável suavidade de uma máquina social, para todas as aparências. Tudo é tão simples: atualizações de status, fotos, seu mural.
Porém, o preço por essa sociabilidade suave é uma constante compulsão para afirmar a nossa própria felicidade, nossa própria autorrealização. Não devemos somente nos contentar com a recompensa social dos outros, nós devemos fomentar a aparência de nossa própria recompensa social. Ser feliz todo o tempo, fingir ser feliz, tentar na verdade ser feliz o tempo todo – é extenuante. No ano passado um grupo de pesquisadores liderado por Iris Mauss, da Universidade de Denver, publicou um estudo enfocando “os paradoxais efeitos da valorização da felicidade”. A maioria das metas em uma vida possui uma correlação direta entre valorização e realização. Os estudos têm descoberto, por exemplo, que os estudantes que valorização boas notas tendem a obtê-las, mais do que aqueles que não as valorizam. A felicidade é uma exceção. O estudo chega a uma conclusão perturbadora:
Valorizar a felicidade não está necessariamente relacionado com uma maior felicidade. De fato, em certas condições, o oposto é verdade. Sob condições de baixo (mas não alto) nível de stress na vida, a maioria das pessoas valoriza a felicidade, quanto menor for seu balanço hedonista, bem estar psicológico e satisfação com a vida, maiores serão os sintomas de depressão.Quanto mais você tenta ser feliz, menos feliz você é. Sófocles conclui basicamente a mesma coisa.
O Facebook, é claro, coloca a meta da felicidade no topo e no centro de nossa vida digital. Sua capacidade de redefinir nossos próprios conceitos de identidade e realização pessoal é muito mais preocupante que as práticas de mineração de dados privados que têm suscitado preocupações em relação à empresa. Dois dos mais convincentes críticos do Facebook – nenhum deles um ludita – concentram-se exatamente nesse ponto. Jason Lanier, o autor de Você Não É um Gadget (You Are Not a Gadget), foi um dos inventores da tecnologia de realidade virtual. Sua perspectiva sobre para onde a mídia social está nos levando pode ser lida como uma ficção científica distópica: “Sinto que estamos começando a nos projetar para nos ajustarmos a modelos digitais de nós mesmos, e me preocupo com a depreciação da empatia e da humanidade nesse processo”. Larnier argumenta que o Facebook nos aprisiona em um trabalho de autoapresentação, e isso, em sua concepção, é uma desvantagem fatal, inaceitável e crucial do site.
Sherry Turkle, uma professora de cultura computacional do MIT, que publicou em 1995 a positiva análise da A Vida na Tela (Life on the Screen), é muito mais cética sobre os efeitos da sociedade on-line em seu livro de 2011 Alone Together: “Nos dias atuais, inseguros em nossos relacionamentos e ansiosos a respeito da privacidade, nós usamos a tecnologia de modo a buscar relacionamentos e nos proteger deles ao mesmo tempo”. O problema com a intimidade digital é que ela é, em última análise, incompleta: “Os laços que nós produzimos na internet não são, afinal, os laços que ligam. Porém, eles são os laços que nos inquietam”, ela escreve. “Nós não queremos nos intrometer em relação aos outros, assim, ao invés disso nos intrometemos, mas não em ‘tempo real’”.
Lanier e Turkle estão certos, ao menos em seus diagnósticos. A autoapresentação no Facebook é contínua, intensamente mediada, e caracterizada por uma falsa indiferença que elimina qualquer potencial para a espontaneidade. (“Veja como casualmente joguei essas três fotos de uma festa da qual eu tirei 300!”) A curadoria na exibição do eu tem se tornado uma ocupação integral. Talvez não surpreenda, assim, que o estudo australiano “Quem usa o Facebook?” tenha descoberta uma significativa correlação entre o uso do Facebook e o narcisismo: “Os usuários do Facebook têm níveis mais altos de narcisismo total, exibicionismo e liderança que os não usuários”, escreveram os autores do estudo. “De fato, pode-se concluir que o Facebook gratifica, especificamente, a necessidade do indivíduo narcisista em engajar-se na autopromoção e comportamento superficial.”
A ascensão do narcisismo não é apenas uma tendência, mas a orientação geral por trás de todas as outras tendências. Na preparação para a edição de 2013 de seu manual de diagnóstico, os psiquiatras estão atualmente lutando para atualizar sua definição de transtorno de personalidade narcisista. Não obstante, em termos gerais, os profissionais concordam que o narcisismo manifesta-se em padrões de grandiosidade fantástica, desejo por atenção e falta de empatia. Em um survey de 2008, 35.000 americanos foram pesquisados se tinham algum sintoma de distúrbio de personalidade narcisista. Entre as pessoas maiores de 65 anos, 3 por cento tinham algum. Entre os de 20 anos, a proporção foi próxima a 10 por cento. Em todos os grupos etários, um em cada 16 americanos tinha tido algum sintoma de DPN. E a solidão e o narcisismo são intimamente ligados: um estudo longitudinal de mulheres suecas demonstrou uma forte relação entre níveis de narcisismo na juventude e solidão na velhice. A conexão é fundamental. O narcisismo é o outro lado da solidão, e condição idêntica é o abandono de enfrentar a realidade confusa de outras pessoas.
Uma parte considerável do apelo ao recurso do Facebook é sua miraculosa fusão de distância com intimidade, ou da ilusão da distância com a ilusão da intimidade. Nossas comunidades on-line tornaram-se máquinas de autoimagem, e a autoimagem tornou-se o motor da comunidade. O perigo real do Facebook não é que ele nos isole uns dos outros, mas por misturar nosso desejo de isolamento com nossa vaidade, ele ameaça alterar a natureza autêntica da solidão. O novo isolamento não é do tipo que os americanos idealizaram, a solidão orgulhosa do não conformista, de espírito independente, estoicamente solitário ou do astronauta que se dilui em novos mundos. O isolamento no Facebook é um trabalho árduo. O que é realmente espantoso no Facebook não é seu volume – 750 milhões de fotografias inseridas no site em um simples final de semana – mas a constância de performance que ele exige. Mais da metade seus usuários – e um em cada 13 pessoas na Terra é usuária do Facebook – entra no site todo dia. Entre as pessoas de 14 a 34 anos, cerca de metade checa o Facebook minutos após acordar, e 28 por cento fazem isso assim que saem da cama. O caráter implacável é que é tão novo, tão potencialmente transformador. O Facebook nunca para. Nós nunca paramos. Os seres humanos sempre criaram elaborados atos de autoapresentação. Porém, não o tempo, não toda manhã, antes mesmo de tomar uma xícara de café. O computador de Yvette Vicker estava ligado quando ela morreu.
A nostalgia pelos velhos bons tempos de desconexão não seria apenas inútil, ela seria hipócrita e ingrata. Mas a própria mágica das novas máquinas, a eficiência e elegância com que elas nos servem, esconde o que não está sendo servido: tudo que importa. O que o Facebook tem revelado sobre a natureza humana – e não é uma revelação menor – é que a conexão não é a mesma coisa que um vínculo, e que a conexão instantânea e total não é a salvação, nem um bilhete para um mundo melhor e mais feliz ou uma versão mais liberada da humanidade. A solidão costumava ser um bem para a autorreflexão e autorreinvenção. Mas agora estamos pensando sobre como estamos o tempo todo, sem realmente pensar sobre quem somos. O Facebook nega-nos um prazer que nós subestimamos profundamente: a chance de nos esquecermos de nós mesmos por algum instante, a chance de se desconectar.
* O texto acima, do escritor Stephen Marche, foi publicado em The Atlantic no número de maio de 2012.
Tradução: Richard Romancini
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