Angry Clock, de John Boxall |
John Merrow*
Frequentemente escuto os adultos de hoje descrevendo os jovens como “nativos digitais”, em geral num tom de resignação e aceitação. “Eles estão tão mais avançados do que nós, que não podemos alcançá-los para oferecer ajuda”, é a mensagem comum que ouço.
Minha reação é: “Alto lá, Lalá”, porque pra mim esse modo de pensar sugere que se abdique da responsabilidade adulta. Sim, a maioria dos jovens sabe mais do que os adultos, porque a rápida mudança da tecnologia moderna é estranha a nós, muito diferente do mundo em que crescemos. Porém, ser um “nativo digital” não é a mesma coisa que ser um “cidadão digital”. Os jovens sempre precisam de orientação ética e a segurança de normas e limites. Isso é mais verdade ainda agora, porque a tecnologia hoje tem um poder sem precedentes de causar danos, como nós temos visto nos casos documentados de assédio e cyberbullying.
Concordo com a veracidade geral do que alguns chamam da regra de ouro, desoladora e triste, dos “Três Cs 1-9-90”. Apenas cerca de UM por cento dos jovens estão hoje usando as tecnologias para criar, NOVE porcentagem fazem curadoria, coleta e crítica, enquanto NOVENTA por cento estão consumindo.
Se a maioria dos jovens – 90 por cento – está escrevendo mensagens de texto, jogando Angry Birds e Grand Theft Auto e conectada no Facebook e no Google Círculos, então nós os adultos deveríamos estar envergonhados.
A menos, é claro, que nós sejamos igualmente culpados.
E nós somos.
Aposto que o uso que a comunidade educativa faz da tecnologia segue uma regra de “Dois Cs 10-90”: DEZ por cento para criar e NOVENTA por cento para controle. Quero dizer por “controle”, em termos gerais, tudo que se mantém dentro do cronograma escolar do professor, monitoraramento de frequências e notas, acompanhamento do desempenho dos professores e a transmissão de conhecimentos que acreditamos que as crianças precisam ter.
Se um propósito importante da escola é ajudar os estudantes a “tornaram-se adultos”, então o uso criativo da tecnologia – por adultos e jovens – deve ser alterado dramaticamente. Nós precisamos encontrar formas de mover as crianças dos 90% e ir para o nível do 1%.
Se, por outro lado, um propósito central das escolas é produzir consumidores ávidos, nesse caso, estamos indo bem.
E quanto a Sal Khan e sua crescente Khan Academy? Essa abordagem não combinaria a tecnologia com o ensino tradicional de um modo a ser admirado? Sim, é claro. Entretanto, até agora pelo menos, a maior parte da energia tem se dirigido a ajudar as crianças a dominar o currículo obrigatório. Acredito que isso é necessário, mas não é suficiente.
As escolas de hoje devem criar oportunidades para os jovens criarem conhecimento a partir das nuvens de informação que as envolvem o tempo todo. Você foi para a escola, porque era lá que o conhecimento estava armazenado. Isso foi ontem. Pense como hoje o mundo é diferente. Os jovens de hoje necessitam de orientação na triagem da informação e transformação dela em conhecimento. Eles devem ser capazes de formular boas questões – porque para as respostas temos os computadores.
(Falo em vários desses temas com maior profundidade em The Influence of Teachers.)
Aqui estão alguns modos de aproveitar a tecnologia e fomentar a criatividade:
- Cada turma de ciência de escolas de ensino médio poderia ter seu próprio medidor de qualidade do ar (menos de $200). Poderia produzir medidas de qualidade do ar, três vezes ao dia, anotar as medidas, compartilhar a informação em tempo real com outras turmas de ciência de escolas secundárias na cidade, região ou estado, e vasculhar os dados em busca de consistências e anomalias. Isso é criar conhecimento a partir da inundação de informações, e é um trabalho real, não “lição de casa”.
- Os estudantes poderiam usar as câmeras de seus telefones inteligentes para mapear suas próprias vizinhanças, documentando (por exemplo) o número de latas de lixo nas esquinas. A informação poderia ser plotada e compartilhada com toda a cidade, e os dados analisados em busca de padrões e anomalias. Existem mais latas de lixo em áreas ricas? Se é assim, peça ao prefeito, ao Departamento Sanitário e ao Conselho da Cidade uma explicação. Novamente, estudantes irão transformar informação em conhecimento. Escrevi sobre isso tempos atrás com mais detalhes.
- Por que não medir a qualidade da água? Um medidor manual que teste o PH custa menos de $100 e o instrumento que testa a condutividade (níveis de íon, relacionados à pureza) é obtido por menos de $100. A turbidez – o quanto a água é turva – é uma importante medida também, e que pode ser obtida com um instrumento barato e uma fórmula. Os estudantes poderiam medir ainda a velocidade da corrente e perceber o montante de detritos. Então compartilhariam os dados com outras turmas de ciência da cidade, região e estado. Todos poderiam vasculhar as informações procurando padrões. Se a água de um rio parece relativamente pura até que passe por um ponto X, os estudantes poderiam descobrir por que isso ocorre.
- Grupos de alunos com Câmeras Flip seguras estão convidados a participar em nosso Shared Poetry Project [Projeto de Poesia Compartilhada] e tornarem-se produtores de seu próprio canal de vídeos do YouTube. Se você clicar no link, sugiro que assista ao exemplo #3, que foi criado por alguns estudantes do ensino médio de New Jersey.
Esses jovens irão aprender (ou reforçar) habilidades do mundo real que irão ajudá-los uma vez que estejam foram da escola. Eles estão trabalhando junto, reunindo, assimilando e analisando dados, eles estão aprendendo como apresentar o que eles estão aprendendo, e assim por diante. Esse é um caminho em muito diferente, em 180 graus, da “educação regurgitação” que é a marca de muitas de nossas escolas.
E aqui estão os dois benefícios finais: o tempo gasto fazendo projetos como esses (e existem muitas outras ideias) é um tempo que eles não usarão jogando games ou outra forma de consumo da tecnologia. E por estarem usando a tecnologia para criar e estarem aproveitando os frutos de seu trabalho, eles serão, acredito, menos propensos a usar os poderes da tecnologia negativamente. Fortalecendo seu próprio senso de si, eles sentirão menos necessidade de ameaçar ou cyberrameaçar os outros.
A tecnologia não é isenta de valores. Nós temos escolhas a fazer, pessoal.
* O texto acima, do repórter de educação norte-americano John Merrow, foi publicado originalmente no blog do autor, Taking Note, em 02 de março de 2012.
Tradução: Richard Romancini
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