sábado, 24 de março de 2012

Ideias - tradução
Blogs: ontem e hoje

Nouvellistes fofocando e lendo em um café do
Palais-Royal (Bibliothèque Nationale de France)

Robert Darnton*


Blogar traz à tona o elemento repentino na comunicação. Os blogueiros tendem a ser enérgicos. Eles com frequência batem abaixo da linha de cintura, e quando eles acertam, saem correndo em busca de outro alvo. Pow! A ideia é provocar para marcar pontos, desabafar opiniões e frequentemente fofocar.

Os blogs mais fofoqueiros miram em pessoas públicas, combinando dois ingredientes básicos: baixaria e celebridades, e eles produzem seus golpes curtos, geralmente não maiores que um parágrafo. Com frequência, apelam a grupos particulares, tais como seguidores de Hollywood (Perez Hilton), viciados em política (Wonkette), jovens universitários (IvyGate), advogados (Underneath Their Robes). Politicamente eles podem se inclinar para a direita (Michelle Malkin) ou para a esquerda (Daily Kos). Porém, todos eles utilizam uma fórmula derivada do antigo jornalismo de tabloide: os nomes fazem as notícias.

Quão nova, então, é a blogosfera? Devemos pensá-la como um subproduto dos modernos meios de comunicação e um signo de uma época em que os jornais parecem condenados à obsolescência? Aproveita ao máximo as inovações técnicas – a possibilidade de um contato constante com comunidades virtuais por meio de web sites e a vantagem adicional das plataformas, como o Twitter com seu limite de 140 caracteres por mensagem. Ainda assim, a forma do o blog como meio de transmitir mensagens pode ser encontrada antes da internet em muitos tempos e lugares.


Aqui, por exemplo, está um recente post do The Superficial:
O RadarOnline informa que a defensora do “casamento tradicional” e ex-Miss Califórnia Carrie Prejean está vivendo em pecado com seu noivo Kyle Boller de St. Louis Rams, onde eles estão sem dúvida comendo mariscos. QUEIMEM!
E esta é uma típica entrada da Le Gazetier cuirassé ou anecdotes scandaleuses de la cour de France (1771):
A senhorita Romans brevemente casará com M. de Croismare, Chefe da Escola Militar, que irá convocar seus seis ajudantes de campo para tomar parte no cumprimento de seus deveres conjugais.
O abuso curto, indecente, proliferou em todo tipo de sistema de comunicação: provocações rabiscadas em palácios durante as disputas na Itália renascentista, o insulto ritual conhecido como “playing the dozens” entre os afro-americanos, cartazes utilizados em manifestações contra regimes despóticos e grafites em muitas ocasiões, tais como a agitação de maio-junho de 1968 em Paris (alguém escreveu: “Voici la maison d’un affreux petit bourgeois”). Quando habilmente misturadas, a provocação e a força podem ser como dinamite – o equivalente verbal ou escrito de coqueteis molotov.

O assunto merece mais estudo, porque além de todo seu caráter explosivo, os elementos similares ao blog nas eras iniciais da comunicação tendem a ser ignorados pelos sociólogos, cientistas políticos e historiadores que se preocupam com textos em grande escala e discurso formal.

Para apreciar a importância de um blog pré-moderno, é necessário consultar bases de dados tais como a Eighteenth Century Collections Online e baixar um jornal londrino do século dezoito. Ela não terá manchetes, assinaturas, clara distinção entre notícias e anúncios, e nenhuma articulação espacial nas densas colunas de tipos, além de um ingrediente crucial: o parágrafo. O parágrafo era a unidade autossuficiente da notícia. Eles não tinham conexão um com outro, pois os escritores e leitores não tinham o conceito de uma “história” noticiosa como uma narrativa que pudesse durar mais que poucas dezenas de palavras. As notícias vinham em pequenos pedaços, com frequências “anúncios” de natureza sóbria – o desembarque de um navio, o nascimento de um herdeiro de um título nobre – até a década de 1770, quando elas se tornam picantes. Folhas pré-modernas de escândalo aparecem, explorando o recém descoberto magnetismo provocado por notícias baseadas em nomes. Como editores do Morning Post e do Morning Herald, dois eclesiásticos, o reverendo Henry Bate (conhecido como “o Reverendo Pugilista”) e o reverendo William Jackson (conhecido como “Dr. Viperino”), enchiam seus parágrafos com fofocas sobre os grandes, e este novo tipo de notícia vendia como água. Muitas delas vinham de uma fonte abundante: a casa de café.

As cafeterias de Londres eram centros nervosos, onde os frequentadores costumavam falar sobre a vida privada de figuras públicas. Alguns frequentadores transformavam a conversa em texto, sempre no formato de um parágrafo, e enviavam seus boletins para editores ou tipógrafos-editores que iriam compô-los e alinhá-los em colunas de parágrafos tipográficos em pedras impostas, prontas para imprimir as “novidades mais frescas”. Conhecidos como “homens parágrafo”, estes pioneiros repórteres modernos deviam receber um pagamento por peça ou produzir cópias para ganhar pontos na batalha cotidiana para o controle da opinião pública. Alguns faziam isso para seu próprio prazer – como muitos blogueiros hoje.

O café na França funcionou da mesma forma, porém a imprensa francesa era censurada e os jornais de língua francesa impressos fora da França tomavam bastante cuidado, evitando ofender as autoridades. Notícias mexeriqueiras, por isso, circulavam “sob o manto” na forma de notas curtas rabiscadas em pedaços de papel que eram colocados dentro de bolsos e passavam de mão em mão. (Alguns deles ainda existem nos arquivos da Bastilha, porque foram confiscados quando a polícia revistava os prisioneiros.) Embora tais boletins usualmente contivessem algumas poucas frases, eles não eram chamados de parágrafos. Eram conhecidos como “anedotas”.

Dois ou três séculos atrás, o termo anecdote signifcava quase o oposto do que significa hoje. Ao invés de representar um incidente trivial ou um boato incerto, como na expressão “evidência anedótica”, ele carregava a noção de “história secreta” – episódios relacionados com as vidas privadas de personagens importantes que tinham, de fato, ocorrido, mas que não podiam ser claramente publicados. De acordo com dicionários da época e com a Encyclopédie de Diderot, o conceito derivava de Procópio, o historiador bizantino do século VI, que escreveu as escandalosas
histórias secretas sobre a vida privada de Justiniano, Teodora e Belisário para acompanhar as narrativas politicamente corretas de suas histórias oficiais.

Procópio – sem conexão com o famoso Café Procope parisiense – era reconhecido como o antecessor remoto de outra variedade de pioneiro blogueiro moderno, o “nouvelliste”. Os transmissores de fofocas que trabalhavam em circuitos orais de comunicação eram conhecidos como “nouvellistes de bouche”. Quando eles transformavam as novidades, escrevendo anedotas e acomodando-as em “gazetins” manuscritos, eles se colocavam nas fileiras dos “nouvellistes à la main”. Aqui estão alguns exemplos, coletados pelo panfletário Pierre Manuel:

O príncipe de Conti foi eliminado de uma delegação pela garota conhecida como a Pequena F... Ele culpa Guerin, seu conselheiro médico.
O Duque de… surpreendeu sua esposa nos braços do tutor de seu filho. Ela disse para ele, com o descaramento de uma cortesã, “Por que você não estava lá, senhor? Quando eu não posso ter meu escudeiro, eu pego o braço de meu lacaio”.
Essas folhas de notícias ilegais proliferavam em todos os lugares no século dezoito na França, atendendo a demanda por notícias, especialmente notícias de tipo picante. A polícia tentou reprimi-las, porém para cada “nouvellist” colocado na Batislha, mais meia dúzia pegava a pena. Eventualmente, a polícia tentava obter o controle desta imprensa clandestina ao compilar suas próprias gazetas manuscritas – que afinal perdiam credibilidade e eram suplantadas por ainda mais “nouvelles à la main”.

Quer fossem trocadas oralmente num café, rabiscadas num pedaço de papel ou combinadas em parágrafos de uma folha noticiosa, as anedotas operavam como uma primária unidade em um sistema de comunicação. Muitas alcançaram seu próprio caminho até a imprensa. As anedotas eram selecionadas por escritores famosos como Voltaire, porém com mais frequência apareciam em panfletos anônimos conhecidos como “libelles”. Os mais picantes “libelles” trabalhos como Anecdotes sur Mme la comtesse du Barry and Vie privée de Louis XV – tornaram-se best-sellers. Se você os lê cuidadosamente, você descobre que eles contêm numerosas passagens que eram tiradas de outro ou de gazetas da imprensa clandestina. Eles eram verdadeiras colagens elaboradas a partir de material preexistente e quaisquer novos itens que estivessem disponíveis – exatamente como os blogs de hoje, que servem de compilação de fragmentos recolhidos de todas as partes da rede. Em vez de imaginar essa literatura como um corpus de livros escritos por autores distintos, você deve pensar nela como um repertório mutável de anedotas, que eram constantemente rearranjadas conforme passavam de uma forma a outra.

As anedotas foram, na primeira modernidade, o equivalente de uma blogosfera, cheia de explosivos; pois na véspera da Revolução os leitores franceses estavam consumindo tanto lixo sobre a vida privadas dos grandes quanto lendo tratados sobre o abuso de poder. De fato, as anedotas e os discursos políticos reforçavam-se mutuamente. Poderia, assim, argumentar que o blog da primeira modernidade teve um papel importante no colapso do Antigo Regime e nas políticas da Revolução Francesa. Devo admitir, entretanto, que estou elaborando esse argumento num blog. Alguém que deseja vê-lo desenvolvido numa extensão apropriada e com suporte de evidências poderá lê-lo como um livro: The Devil in the Holy Water, or the Art of Slander from Louis XIV to Napoleon.

Não acredito que a história ensine lições, ao menos não de uma maneira direta, facilmente aplicáveis, porém ela coloca questões. Os blogs hoje estão emergindo na política tradicional como os “libelles” fizeram no século dezoito na França?

* O texto acima, do historiador Robert Darnton, foi publicado originalmente em 18 de março de 2010, no blog do The New York Review of Books.

 
Tradução: Richard Romancini

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