sábado, 31 de março de 2012

Ideias - tradução
A virtude do videogame

The Bros Play Old-School Nintendo, de Amy Loves Yah

Henry Jenkins*


Frank Lantz, chefe de design de games da Nova York Gamelab, demonstrava Arcadia na Game Developers Conference alguns anos atrás. Surpreendentemente, Lantz jogou na tela quatro jogos básicos no estilo Atari ao mesmo tempo. Em uma janela, ele estava organizando peças de quebra-cabeça. Em outra, ele estava fazendo um homenzinho engraçado percorrer um labirinto de rolagem. Em outra, ele estava defendendo a Terra contra invasores alienígenas. E na quarta, ele estava movendo o remo para desviar de uma bola de Pong. Seu mouse circulava entre as janelas, parecendo sempre estar no lugar certo, na hora certa, para evitar um desastre ou pegar uma recompensa atraente. Cada jogo criava um espaço de orientação diferente, dentro e fora, para cima e para baixo, para direita e esquerda. Para qualquer um que respeite as habilidades de um game, Lantz teve um desempenho virtuoso.

Enquanto Lantz jogava, Eric Zimmerman, co-fundador da Gamelab e o teórico caseiro de games, explicava aquilo que estávamos vendo, demonstrando a mistura de perspicácia e design inovador que tem sido a marca registrada do grupo. O pessoal da Gamelab cria games que fazem você pensar sobre a natureza do meio. Quero usar essa provocação para explorar algumas questões-chave na intersecção entre jogos, atenção e aprendizagem.

Quando conversarmos por telefone, Zimmerman tranquilizou-me: havia um truque – os jogos tinham sido simplificados e desacelerados a partir dos originais. Quando um jogo o interessa o suficiente, você irá querer jogá-lo por conta própria, isso provavelmente é muito complicado no caso de Arcadia. Até o momento, quando tentei jogar Arcadia, mesmo em sua configuração mais fácil, constantemente encontrei-me perdendo vidas, correndo freneticamente de um lugar para outro e sempre, sempre, sempre chegando tarde demais. Para usar um termo técnico, eu era sugado (sucked). Arcadia estará pronta para ser jogada em Shockwave.com no início de agosto, para que você possa ver como se compara.

Gamelab trabalha fora do mainstream da indústria, cria games para a web, e não para o PC ou diferentes consoles de games. Zimmerman, que terminou recentemente um livro, Regras do Jogo (Rules of Play), com Katie Salen, vê cada jogo como uma experiência de manejo interativo. Assim como os roqueiros punks tentaram tirar o rock de seu núcleo, a Gamelab abraça uma estética minimalista retrô, deixando de lado gráficos extravagantes para se concentrar na mecânica de jogo. Em um de seus jogos, Loop, não há sequer cliques de mouse: você simplesmente cerca borboletas movendo o mouse pela tela. Outro título da Gamelab, Sissyfight 2000, era uma encenação do Dilema do Prisioneiro, em um jogo multiplayer, dentro de um pátio escolar. Toda a ênfase é nas interações sociais – a escolha entre bisbilhotar, fazer graça, estabelecer relações ou detonar seus colegas.

Arcadia começou como um jogo sobre minigames – games simples, pequenos, que são cada vez mais incorporados nos jogos maiores e mais complicados. Ele evoluiu para um jogo multitarefa, aquele relacionado à gestão dos recursos do jogo com a administração da própria atenção. Essa é realmente uma questão central para muitos de nós agora – como gerir os nossos recursos perceptivos e cognitivos numa comunidade digital construída numa época que Linda Stone caracteriza como de atenção parcial contínua.

Stone argumenta que há uma tendência crescente para as pessoas passarem pela vida, explorando os ambientes a partir de sinais e mudando sua atenção de um problema a outro. Este processo tem desvantagens claras – nós nunca nos entregamos completamente a alguém numa interação. É como estar numa festa e constantemente olhar sobre os ombros da pessoa com que se está falando para ver se alguém mais interessante chegou. No entanto, é também uma adaptação às exigências do novo ambiente de informação, permitindo-nos fazer mais, classificando as demandas concorrentes para interagir com uma variedade bem maior de pessoas.

Para a minha geração, este processo provoca sensações altamente estressantes e socialmente disruptivas. Mas, para a geração de meu filho, homens e mulheres no final da adolescência ou na casa dos vinte anos, tornou-se uma segunda natureza. Fico surpreso vendo o meu filho fazer a lição de casa, conversando on-line com vários amigos, cada um em sua própria janela de bate-papo, baixando coisas da web, ouvindo MP3s e com um olho no placar do jogo do Red Sox. Meus pais não conseguiam entender como eu podia fazer lição de casa e assistir televisão. Meus alunos se sentam em grupos de discussão, tomam notas detalhadas e procurar sites relevantes em seus laptops sem fio.

Nossas noções clássicas de letramento presumem a contemplação ininterrupta num relativo isolamento social, uma única tarefa de cada vez. Alguns têm caracterizado a geração mais jovem como tendo limitada atenção, num curto espaço de tempo. Mas esses jovens também têm desenvolvido novas competências no processamento rápido de informações, formando novas conexões entre esferas distintas de conhecimento e filtrando um campo complexo para discernir aqueles elementos que exigem atenção imediata. Stone argumenta que, para o bem e para o mal, este é o modo como todos vivemos atualmente. Portanto, ela afirma que é melhor projetar as nossas tecnologias para adaptar-se à atenção parcial contínua, e é melhor desenvolver normas sociais que nos permitam abrandar as rupturas sociais que tal comportamento pode causar.

As escolhas estéticas contemporâneas – o fragmentado, a edição de estilo MTV, as densas camadas de música techno, as páginas visualmente mais complexas de alguns quadrinhos contemporâneos – refletem os desejos dos consumidores por novas formas de jogo perceptivo e sua capacidade de absorver mais informação de uma só vez que as gerações anteriores. Pense por um momento sobre a ilegibilidade – as janelas informacionais estratificadas – nas notícia da TV de hoje. Como os minigames de Arcadia, há um truque: qualquer fragmento de um dado texto é simplificado em relação ao discurso noticioso anterior. Esse compromentimento gráfico possui também uma vantagem – nós podemos ver a inter-relação entre as histórias e prestar atenção aos desenvolvimentos simultâneos. Nós provavelmente não lemos tudo na tela, mas nós monitoramos e passamos rapidamente entre diferentes fluxos de mídia.

Tudo isso nos leva de volta a games como Arcadia. Assim como as civilizações anteriores usavam jogos para aperfeiçoar suas habilidades de caça, usamos jogos de computador para exercitar e melhorar as nossas capacidades de processamento de informação. Pesquisadores da Universidade de Rochester descobriram que crianças que jogam videogames com intensidade regular apresentam melhores habilidades perceptivas e cognitivas do que aqueles que não jogam. Não é exato que as pessoas que têm olhos rápidos e dedos ágeis gostem de jogar; essas habilidades podem ser adquiridas por não jogadores que gastem tempo e esforço para aprender a jogar.

Zimmerman afirma que o que torna possível jogar Arcadia é o grau em que cada um dos minigames baseia-se em convenções. Damos uma olhada nesses jogos e sabemos o que fazer. Além disso, a pesquisa Rochester sugere outra coisa – as pessoas, ao longo do tempo, simplesmente tornam-se mais rápidas no processamento de informações do jogo e podem jogar games mais sofisticados. Em um novo livro, O que os videogames podem nos ensinar sobre aprendizado e letramento (What Video Games Can Teach Us About Learning and Literacy), James Paul Gee argumenta que os jogos são, em alguns sentidos, as máquinas de ensinar ideais. Gee sugere que os educadores podem aprender muito sobre como elaborar um currículo vendo como os designers de game orientam os jogadores a novos desafios e como organizam o fluxo de atividades, de modo a que os jogadores adquiram as competências de que necessitam apenas quando vão para a próxima tarefa; o objetivo é que os jogadores encontrarem a cada nível desafios, mas não sejam esmagados. Jogos nos ensinam, argumenta Gee, sem nos darmos conta sequer de que algum tipo de educação está ocorrendo.

Tudo nessa pesquisa aponta na mesma direcção. Deixando de lado questões de conteúdo, os videogames são bons para as crianças – dentro dos limites –, porque o jogo as ajuda a se adaptarem às exigências do novo ambiente de informação. Os cirurgiões já estão usando videogames para melhorar a sua coordenação mão-olho, para as demandas cada vez mais exigentes dos procedimentos cirúrgicos contemporâneos. Os militares usam os jogos para ensaiar a complexidade de coordenar ações coletivas em um ambiente no qual os participantes não podem ver um ao outro. E todos nós podemos usar jogos para aprender a atuar na era da contínua atenção parcial.

Essas habilidades multitarefa serão mais desenvolvidas nas pessoas que tiveram acesso a games desde a tenra idade. Nossos filhos e filhas serão os nativos do novo ambiente da mídia; outros serão os imigrantes. Os educadores têm há bastante tempo falado sobre um currículo oculto, as coisas que as crianças absorvem fora da educação formal e que moldam seus pensamentos, gostos e habilidades, permitindo a alguns grupos avançar mais rapidamente do que outros. O mesmo padrão está se desenvolvendo em torno das novas tecnologias de mídia – aqueles que crescem com elas como parte de sua vida recreativa relacionam-se com elas de maneira diferente daqueles que as encontraram apenas mais tarde na escola ou no trabalho.

Embora as habilidades derivadas de jogar videogames ampliem as capacidade criativas humanas e ampliem o acesso ao conhecimento, estes não devem vir à custa de formas mais antigas de letramento. O desafio é produzir crianças que tenham uma perspectiva equilibrada – que saibam o que cada meio faz melhor e que tipo de conteúdo é mais apropriado em cada um, que possam ser multitarefa, mas também contemplativos, que joguem games, mas também leiam livros.

Assim, vão à Arcadia, mas também a uma biblioteca.

* O texto acima, do pesquisador Henry Jenkins, foi publicado em Technology Review em 1º de agosto de 2003.

Tradução: Richard Romancini

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