quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Boas práticas de produção textual

Fonte: Wikipédia (M.C. Escher)
A dificuldade na produção acadêmica tem várias faces, uma delas é a feitura de textos que não configurem "plágios". Para ajudar produtores textuais e orientadores dos mesmos sobre a questão, inserimos o texto (de um dos pesquisadores do NCE), abaixo, que discute essas questões.

A praga do plágio acadêmico

Prof. Dr. Richard Romancini

Resumo
O texto discute a prática do plágio em trabalhos feitos por estudantes universitários. O fenômeno é visto como resultante, em grande medida, de facilidades oferecidas nos dias de hoje pelos meios digitais e também por deficiências na formação e desinformação por parte dos discentes e docentes. Ressalta-se ainda o prejuízo que essa prática causa ao próprio aluno e, de modo a contribuir para a superação do problema, define-se o que é o “plágio” e são expostos meios de evitá-lo.

Palavras-chave:
Plágio; Educação; Docência; Direitos autorais; Trabalhos estudantis


Há cinco anos, numa reunião científica onde foi apresentado um texto sobre a figura do ghost writer, uma docente de uma universidade bem conceituada pediu a palavra, na fase de debates. Desculpou-se por externar uma preocupação que era apenas marginal ao texto (a venda de monografias), ou seja, uma das modalidades do plágio acadêmico. E, em sua fala preocupada, transmitiu informações sobre a disseminação desse desvio por parte dos estudantes de sua instituição. Pouco a pouco, os presentes à reunião (docentes de faculdades e universidades) fizeram relatos, mais ou menos dramáticos ou desapontados, sobre experiências parecidas.

A discussão que foi feita então produziu dois consensos, no nosso entender, ainda válidos: que o aumento dessa prática condenável está correlacionado à expansão da Internet, e que situações similares também existiram antes e, de modo paradoxal, eram mais difíceis de serem percebidas no ambiente pré-rede. Atuando na função docente, nessa época, recebemos uma resenha de livro muito bem escrita por um aluno relativamente ausente de um curso. E, como outros educadores versados nessa possibilidade, ao digitar uma frase do texto, entre aspas, num buscador na Internet, constatamos o plágio e invalidamos o trabalho.

Como esperado, em função do aumento da população estudantil universitária e dos usuários de computador, a preocupação com o tema amplificou-se, nos últimos anos. Reportagens da imprensa (Folha de S.Paulo, 2006; Garschagen, 2006; Rabelo, 2006; Goulart, 2007) e textos de educadores (Oliveira, 2005; Silva, 2006) documentam e discutem essa situação, que não é só brasileira. Os textos chamam ainda a atenção sobre fraudes na elaboração de trabalhos acadêmicos inclusive no nível pós-graduado (Garschagen, 2005).

Assim, docentes e instituições procuram precaver-se e estas criam procedimentos, visando coibir os plágios. A preocupação principal diz respeito, em parte, à quebra na relação de confiança entre educadores e educandos, base da ação pedagógica, que a ocorrência de trabalhos com vícios revela. No entanto, há uma outra faceta da questão, não menos grave, mas certamente muito típica de países (como o Brasil) nos quais as práticas de leitura e escrita, e a própria educação, apresentam deficiências.

2. A questão da formação

No ano passado, percebemos esta outra dimensão do problema, quando solicitamos um trabalho a segundo anistas de uma faculdade e recebemos, majoritariamente, trabalhos com plágios a textos da Internet. Ao discutir a questão com os alunos, notamos que (no caso em questão) se poderia falar em “plágio involuntário”. Não era clara para os alunos a idéia de que, ao atribuir a si mesmos a autoria de produções intelectuais de outros, incorriam em plágios. Isso aponta para uma realidade negativa do ensino, representada, em particular, pela errônea associação entre “pesquisa” e “cópia” não refletida. Porém, é claro, era uma situação diferente da anterior.

Assim, alteramos o conteúdo do curso, de modo a discutir a questão da redação do trabalho acadêmico, para tanto utilizamos o quinto capítulo (“A Redação”) de um livro de Umberto Eco (1992). Aliás, estratégias, como essa, são recomendadas a quem passe por situações parecidas; e é esta também a atitude de outros educadores que assumem uma postura ativa frente ao problema (vide reportagem do site Universia, 2005).

Bem diferente disso é a atitude de indiferença que observamos, por vezes, em certos discursos docentes. Alguns, por trás de uma postura populista ou paternalista de “fechar os olhos”, estão sendo, na verdade, profundamente elitistas. O subtexto parece ser o seguinte: a certos estudantes é dado o direito de produzir conhecimento de modo rigoroso, sério e consistente; a outros, nem vale a pena explicar como fazer.

Há o caso de outros profissionais do ensino (segundo o relato que ouvimos de uma colega) que chegam a defender os plágios, já que o estudante “teve o trabalho de pesquisar (sic)”. Se por “pesquisa” se entende a localização de informações, houve pesquisa. No entanto, se por esse termo entendemos uma produção intelectual que, sem ignorar o estado da arte sobre determinado tema, revele um processo de questionamento e reflexão (do qual resultem sínteses pessoais), é certo que não.

Em outro caso bastante pitoresco contado por outra colega, um aluno defendia-se da acusação de plágio, ao dizer que concordava com a integralidade do texto copiado. Não seria suficiente explicar-lhe que entre concordância e autoria há uma distância bem larga? Ou dizer-lhe que o plágio configura um crime tipificado, ao violar direitos autorais? Que existem formas de manifestar concordância com a opinião de outrem que são diferentes do plágio? Ocorre que para alguns docentes fazer tais explicações talvez pareça uma tarefa “menor”, já que os estudantes de ensino superior, em tese, já deveriam, ao longo de seu processo educativo, ter internalizado esse conhecimento. Isso ocorre para todos?

No nosso entender, infelizmente, não; portanto um professor que não procure, com clareza, explicitar aspectos como os mencionados, a cada situação necessária, estará falhando em seu papel como educador. Devemos ser capazes de formar competências gerais e comuns, entre elas, a produção textual acadêmica (ou escolar) rigorosa e ética. Por isso é imperioso explicar porque determinada produção, eventualmente, foge a tais parâmetros.

3. Autoria e competência discursiva

Por mais que possamos discutir o conceito de autoria (e, de fato, isso pode ocorrer no atual ambiente digital), isso exclui o plágio. É necessário apontar o que faz de um sujeito o produtor pleno de uma obra textual, ou seja, facultar a cada sujeito a possibilidade de se tornar um autor. É claro, que “a construção do autor não se dá sem a formação do leitor, visto que depende das histórias de leitura do sujeito sua competência discursiva, a fim de que se constitua, de fato, co-autor de textos lidos e produzidos” (Silva, 2006, 10). Em outras palavras, é a conquista da competência discursiva que, num longo processo educativo, transversal às disciplinas, mostra-se central.

Espera-se, pois, que os professores possuam, eles próprios, essa competência para facilitar essa aquisição aos educandos. Mas o que acontece quando sequer parte dos professores têm bem consolidada essa capacidade ou clareza sobre o que isso significa? Isso é evidenciado por depoimentos como o do professor que, ao participar da avaliação de um trabalho de conclusão de curso, percebeu que a orientadora do mesmo “considerava o procedimento de cópia de trabalhos alheios uma coisa normal e corriqueira” (Lourenço, 2004). Em nossas experiências em EAD, na formação continuada de professores, também notamos deficiências nesse sentido.

É nesse contexto que devemos atuar, e a única atitude ética, no caso, é o reforço à ação pedagógica (também na formação dos docentes) que se respalde na transmissão de boas práticas de produção textual, para, algum dia, exterminar a praga do plágio. Esta prática prejudica, em particular, os estudantes que dela se utilizam, pois o plágio acaba tendo como resultado perverso, para o educando, o “roubar de si mesmo a possibilidade de um outro pensar, da inventividade [o que] é um preço muito caro que o sujeito tem a pagar” (Silva, 2006, 4).

Em outras palavras, é preciso insistir que o educando é o principal prejudicado ao renunciar a (ou lhe ser negada a possibilidade de) constituir-se como autor – ainda que somente (e isso não é pouco) ao analisar/criticar/ sistematizar textos alheios, num processo reflexivo, contudo, pessoal. É essa a garantia da aquisição/produção de um conhecimento qualquer (que geralmente os trabalhos solicitados procuram aferir) que, por sua vez, reforça a competência discursiva do sujeito.

Feitas essas considerações, creio que um segundo nível, de caráter mais prático, da contribuição desse texto deve ser a explicação mais detalhada sobre o que define o plágio (e sua diferenciação em relação à citação), tipificação penal e meios de evitá-lo.

4. A citação e o plágio

O conhecimento humano, em suas produções mais sofisticadas como a ciência (que se pretende universal), é essencialmente coletivo. É impossível que um aspirante a produtor de conhecimento não lide com as reflexões, idéias, informações e dados de outros sujeitos, mesmo que para submeter à crítica algum desses aspectos. Desse modo, a prática da remissão a outros textos e autores é constitutiva do modo de produção do trabalho intelectual mais elaborado, que o ambiente universitário procura promover.

A citação a outros autores constitui um dos procedimentos mais característicos do texto crítico. Ela garante o ingresso do autor na “rede intertextual” relativa a determinado tema ou questão. Por isso, na produção acadêmica, a citação a idéias de outros autores, relevantes à discussão do trabalho, deve ser precisa e averiguável. Isso garantirá que o leitor possa – se quiser – checar o contexto geral da citação e a fidelidade com que a mesma foi feita. Nesse sentido, é que Eco (1992) vê a citação como uma “testemunha num processo”. Decorrem dessa preocupação, as recomendações dos diferentes sistemas (ABNT, Vancouver, ISO) quanto ao modo de produzir Bibliografias e Referências Bibliográficas.

Ressaltado esse caráter coletivo do trabalho intelectual crítico, observa-se que isso não chega a diluir o conceito da autoria (nem mesmo o de originalidade) de um texto. Ou seja, determinado autor (ou eventualmente autores) que se utiliza de idéias de diferentes sujeitos produzirá um trabalho cuja originalidade é garantida pela seleção, modo peculiar de exposição e interpretação dada ao seu objeto. Isso ocorre igualmente em termos temáticos e das idéias propostas e/ou utilizadas a partir de outros autores.

Em resumo, a citação, que podemos agora definir como a atribuição da fonte a uma idéia ou conteúdo, não é um empecilho ao trabalho autoral, nem se confunde com o plágio. A própria Lei de Direitos Autorais (nº 9.610/98) permite o uso de trechos de qualquer tipo de trabalho desde que seja indicada a autoria e procedência do mesmo.

Cabe ainda notar que a citação pode ser indicada de duas maneiras. A partir da transcrição de trechos literais de um texto, geralmente entre aspas ou outro sinal demarcador, como a fonte em itálico. O segundo método remete às paráfrases, ou seja, quando o autor da citação coloca a idéia de outrem em suas palavras, sem deixar, contudo, de citar a fonte (exemplos claros podem ser vistos em Eco, 1992, 128-9).

De outro lado, o plágio caracteriza-se como uma falsa atribuição de autoria, uma apropriação indevida de trabalho de um autor por outro indivíduo (o plagiário). Em outras palavras, trata-se da cópia de idéias ou conteúdos de trabalhos de outra pessoa, que são utilizados como se fossem daquele que finge ser o autor legítimo dos mesmos. É interessante notar que a origem etimológica da palavra (do grego “plagios” ao latim “plagiu”) carrega acepções que ilustram o conceito: “oblíquo”, “dissimulado”, “trapaceiro”.

“Nesse sentido”, nota Ferrari (2005), “a etimologia demonstra que plágio está diretamente ligado ao efeito ético e moral, logo, deve-se entender que não há níveis de interpretação. Incorreto é o não correto e pronto. Não há interpretações extensivas e paralelas”.

Também é fundamental notar que o plágio resulta numa violação de diretos autorais do autor plagiado. E esta ação configura, na linguagem jurídica: “Mais do que um ilícito civil, uma vez que afronta direito de personalidade do autor, constitucionalmente garantido, [...] nos deparamos também com um ilícito criminal gravíssimo” (Furtado, 2002). Como explica o autor citado, a violação de direito autoral é um crime previsto no artigo 184 do Código Penal, cuja penalidade envolve detenção e multa.

Tendo explicitado no que consiste o plágio na produção textual, podemos avançar, notando que o mesmo possui diferentes facetas, no cotidiano acadêmico, como:
  • A compra ou furto de um trabalho na íntegra;
  • A apropriação (sem citação), em determinado texto, de trecho(s) de certa(s) obra(s);
  • A “falsa paráfrase”, ou seja, a cópia de texto de um autor, feita sem a indicação de citação integral (aspas ou formatação), mesmo que se informe que a idéia ou trecho provém do autor de que foi feita a cópia.
Sem dúvida, o primeiro caso é o mais grave e irremediável em termos de falha ética. Nos outros dois casos, em particular no último, pode existir um caráter “involuntário” no plágio. No entanto, o que é claramente recomendável é que os trabalhos sejam submetidos a análises e revisões (por seus autores e orientadores), antes de sua finalização, de modo a eliminar a possibilidade de plágio, pelos motivos apontados.

Concluindo, pode-se dizer que o papel do educador para coibir o plágio, além do acompanhamento na elaboração dos trabalhos de seus alunos, está ainda relacionado com a transmissão de informações sobre o plágio. Nesse sentido, é também válido que as instituições de ensino busquem esclarecer e informar os alunos e docentes sobre esse ilícito e adotem procedimentos que desestimulem sua prática. Como observa Furtado (2002):

Agir com respeito perante não somente àquilo que se propõe a produzir com seriedade, mas igualmente em relação às fontes pesquisadas, às idéias consultadas, aos pensamentos, reflexões, pontos de vista, propostos em estudos e pesquisas já feitas, que recorrera para melhor ilustrar, fundamentar ou enriquecer o seu trabalho científico, é o mínimo que podemos esperar de alguém voltado para o conhecimento


Referências bibliográficas

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo, Perspectiva, 1992, 9ª edição.

FOLHA de S.Paulo. Oxford alerta para aumento de plágio entre alunos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 14 mar. 2006. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

FERRARI, Alexandre Coutinho. Plágio de textos e a editora de livros. Doutor D. 17 jun. 2005. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

FURTADO, José Augusto Paz Ximenes. Trabalhos acadêmicos em Direito e a violação de direitos autorais através de plágio. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

GARSCHAGEN, Bruno. Comércio de teses e dissertações atrai pós-graduandos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 07 nov. 2005. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

___________________. Universidade em tempos de plágio. NoMínimo. 29 jan. 2006. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

GOULART, Guilherme. O golpe das monografias. Correio Braziliense, Brasília, 28 mar. 2007. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

LOURENÇO, Alexandre. Plágio, direito autoral e registro legal de obras. Microbiologia, 2004. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

OLIVEIRA, José Palazzo M. de. Plágio eletrônico e ética. Educação, Computação e Web. Dez. 2005. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

RABELO, Camila. Idéias roubadas. UNB Agência, Brasília, 14 jul. 2006. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

SILVA, Obdália Santana Ferraz. Entre o plágio e a autoria: qual o papel da Universidade? 29ª Reunião Anual da Anped, Caxambu, 2006. Disponível aqui . Acesso em 19 de jun. 2007.

UNIVERSIA. Como lidar com o plágio em sala de aula. Universia Brasil, 08 mar. 2005. Disponível aqui. Acesso em 19 de jun. 2007.

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