quinta-feira, 11 de abril de 2013

Sherry Turkle: “Nós desejamos esquecer que temos nos tornado os instrumentos de nossa própria vigilância”

Foto: jeanbaptisteparis (CC Wikipédia)
O texto a seguir, de Sherry Turkle, é da publicação Is the Internet Changing the Way You Think?: The Net's Impact on Our Minds and Future (2011).

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Você olha para uma tela em sua casa ou na sua mão. Você a reconhece, ela é passiva e brilha – todas as coisas parecem prometer segurança e um espaço limitado. Porém, o sentimento de enviar um e-mail ou mensagem instantânea de texto está em desacordo com sua realidade. Você se sente numa zona que é privada e efêmera. Isso explica porque as pessoas, gente sofisticada, continuam a enviar e-mails e mensagens de texto que registram seus desvios legais e desnorteiam suas famílias. Isso gera manchetes. Outras consequências da desconexão evidenciam-se na vida interior da geração que cresceu no modo conectivo sempre-on/sempre-on-you. A desconexão molda a sensibilidade psicológica e política deles.

Dawn, 18 anos, “limpa” a sua página do Facebook logo depois que recebe a carta de aceitação na faculdade. Ela diz, “Não quero histórias e fotos de festas colegiais e de garotos lá. Quero um novo começo”. Mas ela não pode deletar tanto assim. Suas amigas têm fotos dela nas suas páginas e mensagens dela em seus murais. Tudo isso irá permanecer. E, na internet, as palavras “deletar” e “apagar” são metafóricas; arquivos, fotos, mensagem e histórico de pesquisa são eliminados somente da sua vista. Tudo isso perturba Dawn. Ela diz, “É como se alguém estivesse para descobrir um segredo horrível que eu não se deixei em algum lugar”.

Os adolescentes têm claro que em algum ponto sua privacidade será violada
O psicólogo e psicanalista Erik Erikson argumentou que os adolescentes precisam de uma experiência de “moratória”, um tempo e espaço para a experimentação relativamente livre de consequências. Eles precisam apaixonar-se e desapaixonar-se por pessoas e ideias. Tenho defendido que a internet proporciona tais espaços e, assim, é um terreno fértil para o trabalho sobre a identidade. Mas, com o tempo, tem se tornado claro que a ideia de espaço de moratória não se combina facilmente com uma vida que gera sua própria sombra eletrônica. Com o passar do tempo, muitos descobrem um modo de ignorar ou negar a sombra. Para os adolescentes, a necessidade de um espaço de moratória é tão forte que eles irão recriá-lo como uma ficção. E, de fato, deixar um traço eletrônico pode começar a parecer tão natural quanto a sombra parece desaparecer. Nós desejamos esquecer que temos nos tornado os instrumentos de nossa própria vigilância.

Com a ideia de manter a sombra à distância, alguns agem para ficar desinformados. Julia, 18 anos, diz, “Tenho ouvido que as autoridades escolares e a polícia local podem entrar no seu Facebook”, mas ela não quer conhecer os detalhes. “Eu vivo no Facebook”, ela explica, e “eu não quero me chatear”. Uma garota de 17 anos acredita que o Facebook “pode ver tudo”, porém apesar de “você pode tentar fazer com que o Facebook mude as coisas”, isso está totalmente fora de suas mãos. Ela resume: “Isso é apenas do jeito que é”. Uma garota de 16 anos diz que, embora sem privacidade, ela se sente segura, pois “Ninguém se importa com a minha vidinha”. Com toda a conversa sobre uma geração empoderada pela net, a questão da privacidade online mostra declarações de entendimentos intencionalmente vagos e protestos de impotência. Esta é uma vida de resignação: os adolescentes têm claro que em algum ponto sua privacidade será violada, porém esse é o modo como as coisas funcionam no mundo.

Eu cresci com meus avós que ficaram assustados com a era McCarthy. Um governo que espionava seus próprios cidadãos; isso era aquilo de que suas famílias tinham fugido. Na Europa do Leste, minha avó explicou, você sabia que outras pessoas liam sua correspondência. Isso nunca levou a algo bom. Quando alguém sabe tudo, todos podem se tornar um informante. Ela ficava orgulhosa por estar na América, onde as coisas eram diferentes. Todas as manhãs, íamos juntas à caixa de correio do nosso prédio de apartamentos. E, em muitas manhãs, ela iria me dizer como se nunca tivesse contado antes, “Na América, ninguém pode olhar sua correspondência. É um crime federal. Essa é a beleza desse país”. Para mim, desde a mais tenra idade, as lições cívicas da correspondência combinaram privacidade e liberdades civis. Penso em como as coisas são diferentes para os adolescentes de hoje que se acomodaram à ideia que seu e-mail pode ser visto pelas autoridades escolares e suas identidades online podem sofrer interferência. Não poucos acrescentam a sua posição sobre tudo isso dizendo que, de uma forma ou de outra: “O modo de lidar com isso é apenas ser bom”.

A vida com uma sombra eletrônica provoca ansiedade nos adolescentes
Mas, algumas vezes, a cidadania não deve “ser boa”. É necessário haver algum lugar para isso, espaço para a dissidência, a real dissidência. É necessário criar algum espaço técnico (uma sacrossanta caixa de correio) e espaço mental. Os dois estão interligados. Nós produzimos nossas tecnologias e elas, por sua vez, nos moldam e nos engendram. Minha avó me faz uma cidadã americana e uma libertária civil em frente a uma fileira de caixas de correio no Brooklyn. Eu não estou certa do que dizer para alguém de 18 anos que pensa que o Loopt (um aplicativo que usa as capacidades de GPS do iPhone para mostrar onde seus amigos estão) parece assustador, mas nota que seria difícil mantê-lo desligado no telefone se todas suas amigas usam-no. “Elas iriam pensar que eu tenho alguma coisa a esconder.”

Numa democracia, talvez todos nós devamos partir do pressuposto de que todos têm algo para esconder, uma zona de ação e reflexão privada, uma zona que precise ser protegida. A vida com uma sombra eletrônica provoca ansiedades que levam os adolescentes de hoje a olharem para um passado que eles nunca viveram. Essa nostalgia dos jovens nos permite avançar, pois nos lembra de coisas que vale a pena proteger. Assim, por exemplo, os adolescentes falam longamente sobre a “atenção total” que está implícita quando alguém manda uma carta ou encontra-se com eles face-a-face. E, de modo pungente, eles falam sobre a procura por um telefone público quando querem ter uma conversa realmente privada.

A internet nos ensina a repensar essa nostalgia e dar a ela um nome adequado. Eu aprendi a ser uma cidadã nas caixas de correio do Brooklyn. Para mim, iniciar uma conversação sobre repensar a internet, a privacidade e a sociedade civil não é uma nostalgia retrógrada ou, no mínimo, ludita. Isso parece parte de um saudável processo da democracia definindo seus espaços sagrados.


Tradução: Richard Romancini

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