sábado, 9 de junho de 2012

A digitalização da música e do livro

Quando fiz doze anos, no início dos anos 1970, recebi de presente dos meus pais, um gravador portátil, da marca Realistic, de fita cassete da Radio Shack. Poucas horas depois, tornei-me um pirata musical. Eu tinha um amigo que morava ao lado, e seu irmão mais velho tinha uma cópia do Abbey Road, um álbum que eu achara brilhante. Levei meu gravador para a sua casa, coloque o seu pequeno microfone de plástico (era uma máquina mono) na frente de uma das caixas de seu aparelho de som, e comecei a fazer uma cópia cassete da gravação. Usei a mesma técnica em minha casa para gravar canções de sucesso fora do rádio, bem como fazer cópias de LPs e 45 rotações de meus irmãos e amigos. Nunca passou pela minha mente que eu estava fazendo algo errado. Não pensava em mim como um pirata, nem via as minhas gravações como sendo algo ilícito. Estava apenas sendo um fã.

[…]

A razão pela qual estou contando tudo isso não é que eu tenha, repentinamente, me sentido culpado sobre a minha vida como um adolescente pirata de música. Não sinto culpa alguma. É que neste fim de semana acabei lendo um artigo no Wall Street Journal, do fundador do Listen.com, Rob Reid, em que ele argumentou que ‘na aventurosa arena da pirataria digital, o mundo editorial está se saindo muito melhor do que a imprudente indústria da música’. Traçando um paralelo entre os negócios em música e livros, Reid escreve:
O negócio do livro está agora mais próximo de sua história digital do que quando o da música estava quando o Napster acabou. Ambas as histórias começaram quando as mídias digitais tornaram-se portáteis. Para a música isso foi em 1999, quando as gravadoras terminaram uma campanha legal desastrada para proibir os leitores de MP3. Para os livros, isso inicia com o lançamento em 2007 do Kindle. Os editores partiram de um início muito melhor. Ambas as industriam assistiram a uma queda de cerca de 20% nas vendas físicas após os seus respectivos quatro primeiros anos digitais. Mas as vendas de e-book foram responsáveis em grande parte pela queda na publicação tradicional – diferentemente das vendas da música digital, que permaneceram teimosamente próximas de zero por anos.

Isso não prova que os amantes da música são trapaceiros. Ao invés disso, mostra que é sábio vender aos usuários que primeiro adotam as novidades. Os editores fizeram isso – ao contrário das gravadoras, que insistiram que a primeira geração digital, essencialmente, iria roubar música online ou fazer algo sem elas.
Tudo isso parece bastante sensato. Mas a argumentação de Reid é enganosa. Ele simplifica a história da mídia, e passa por cima de algumas grandes e fundamentais diferenças entre o mercado do livro e o mercado de música. Como a minha própria experiência na juventude sugere, os amantes da música SÃO trapaceiros, e nós fomos criminosos durante décadas. (‘Trapaceiro’ nos termos dele, é claro, não nos meus.) Além disso, a ‘história digital’ da música não começou em 1999. Ela começa em 1982, quando os álbuns começaram a ser lançados em compact-disc. Sim, existem algumas semelhanças entre as indústrias da música e a de livros, ao qual vale atentar, mas o fato de que as duas indústrias têm (até agora) tomado diferentes trajetórias na era digital, provavelmente tem muito mais a ver com as diferenças básicas entre elas – diferenças na história, tecnologia e consumidores, entre outras coisas – do que com diferenças na tomada de decisões pelos executivos.

Deixem-me revisar algumas das mais marcantes diferenças e o modo como eles influenciaram as trajetórias divergentes que as indústrias tiveram:

Os garotos copiavam música antes de ela tornar-se digital. [...]

A fidelidade importa menos para a música digital do que para livros. [...]

O livro nunca teve uma fase CD. […]

O comprador típico de música é mais jovem que o comprador padrão do livro.

[...] os executivos do setor editorial estariam, provavelmente, enganando a si mesmos se pensassem que são os responsáveis pelo fato de que, até agora, seu negócio não passou pelas mudanças dolorosas que afetaram seus pares no mundo da música. E se eles pensam que podem usar a experiência do negócio da música como um guia para traçar seu próprio rumo futuro, provavelmente eles estarão enganando a si mesmos nisso também. As forças de ruptura iminentes no mundo dos livros podem assemelhar-se às forças que atingiram o mundo da música, mas elas são diferentes em muitos aspectos importantes.”

Trechos de uma interessante reflexão, em postagem (em inglês) no blog de Nicholas Carr – Books ain't music –, sobre as diferenças entre as trajetórias da indúsria da música e a do livro no contexto digital.

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