Essa descrição muito viva de Alexandra Bujokas (íntegra no blog da autora, aqui) toca em pontos muito importantes da educação hoje, como as dificuldades dos estudantes com a língua culta, e com as práticas de produção e leitura de textos. São verdadeiros impasses em muitas escolas brasileiras, em diferentes séries (até no ensino superior), atravessando todas as matérias. Como resolver adequadamente um problema de Matemática se o enunciado não é compreendido?Continuamos enfrentando problemas com a pouca familiaridade que os alunos têm com a prática de escrever textos. Além dos erros de ortografia e gramática, tenho percebido que os textos saem um pouco infantis para a idade deles. Ainda estou buscando modos de enfrentar esse problema. Quanto à ortografia, o uso do corretor do Open Office deve ajudar. [...]
O que eu observei me fez pensar em algumas coisas. Em primeiro lugar, fiquei imaginando onde começa essa história de que o aluno não sabe escrever porque não lê, e porque não lê, não desenvolve o hábito da leitura e da escrita, e termina o Ensino Médio sofrendo o analfabetismo funcional etc etc etc.
Quando eu cursava as disciplinas do doutorado, participei de algumas discussões sobre o fato de a escola impor uma cultura que, às vezes, não tem significado na vida do aluno, não respeita a identidade da criança e, no final das contas, não ensina. Em geral, essas discussões se referiam mais a conteúdos ou tipos de textos, por exemplo.
Mas o que ocorre é que, independentemente do tipo de texto, são os fundamentos muito elementares da linguagem que não estão sendo mais ensinados. [...]
Quem nos chama para corrigir, a gente ajuda; para quem não chama, a gente se finge de samambaia. Mas, num dia desses, uma nova aluna de jornalismo apareceu. Como ela não estava por dentro das nossas decisões, chegou falando que tinha muito erro de português nos blogs, ao que um dos alunos respondeu ‘é assim que a gente escreve. Se você não quiser, não lê’.”
Na continuidade do raciocínio, Bujokas aborda as identidades juvenis dos estudantes das escolas públicas, supondo que “talvez a rejeição ao aprendizado da leitura e da escrita seja um mecanismo de auto-defesa: desvalorizar algo que não se sabe pode ser uma saída para não sofrer por não sabê-lo”.
Creio que, de fato, existem questões culturais que envolvem o problema da dificuldade da aquisição da “língua dominante”, que precisam ser entendidas – mas que não podem justificar a situação (ruim na média) atual. Não que Bujokas faça isso, mas é útil ter cautela quanto a essa tentação. A escola deve ser um lugar de libertação, formação para a autonomia, e assim todo elemento alienante deve ser ultrapassado.
Uma excelente reflexão para pensar nesse tema, do ponto de vista do quanto a resistência (“se não quer ler, não leia”) pode ser um forma de alienação, na qual o estigma é visto como um signo de identidade, é feita por Pierre Bourdieu no texto “Os usos do ‘povo’” (do livro Coisas ditas, São Paulo, Brasiliense, 1990, pp. 181-187 ).
Abaixo, segue uma transcrição de trecho da parte final do texto de Bourdieu mencionado, como um convite para a leitura integral do mesmo:
Postado por Richard RomanciniAqueles que se insurgem contra os efeitos de dominação exercidos através do emprego da língua legítima costumam chegar a uma espécie de inversão da relação de força simbólica e acreditam agir bem ao consagrar a língua dominada – por exemplo, em sua forma mais autônoma, isto é, a gíria. [...] Aquilo que é chamado de ‘língua popular’ são modos de falar que, do ponto de vista língua dominante, aparecem como naturais, selvagens, bárbaros, vulgares. E aqueles que, por uma preocupação de reabilitação, falam de língua ou de cultura populares são vítimas da lógica que leva os grupos estigmatizados a reivindicar o estigma como signo de sua identidade.
Forma distinta da língua ‘vulgar’ – aos próprios olhos de alguns dos dominantes –, a gíria é produto de uma busca de distinção, porém dominada [...]. Quando a busca de distinção leva os dominados a afirmarem o que os distingue, isto é, aquilo mesmo em nome do que eles são dominados e constituídos como vulgares, deve-se falar de resistência? [...] Segunda questão: quando, ao contrário, os dominados se esforçam por perder aquilo que os marca como ‘vulgares’ e se apropriar daquilo em relação a que eles aparecem como vulgares (por exemplo, na França, o sotaque parisiense), isso é submissão? Acho que essa é uma contradição insolúvel: é uma contradição que está inscrita na própria lógica da dominação simbólica [...]. A resistência pode ser alienante e a submissão pode ser libertadora.”
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