sexta-feira, 14 de março de 2008

“Prezada Censura”

‘Prezada Censura e amigos’ foi a fórmula encontrada por uma ‘senhora doente’ para dirigir-se à DCDP. Ela, que não trabalhava, encontrara tempo para atender ao pedido de ‘umas 50 mães de família’ de encaminhar solicitação para que fossem censurados os programas de TV que contivessem ‘bandalheira, falta de moral e falta de respeito’. Dizer-se ‘mãe de família’, ‘idosa’, ‘pai de adolescentes’, ‘cinqüentenário’, tanto quanto defender os ‘indefesos’ — aí incluídos os velhos, as crianças e as mulheres — era a maneira que os remetentes encontravam para apresentarem-se autorizadamente diante do poder público. Jovens e crianças aparecem especialmente indefesos nas cartas, demandando os cuidados da censura, pois ‘falta-lhes ainda, infelizmente, a orientação segura que nem o lar nem a escola’ deveriam dar. Tudo poderia atingi-los, degenerá-los, despertar-lhes ‘os maus sentimentos porventura embrionários’, pois os ‘menores não sabem discernir’. Inseguros diante da ‘onda erótica e pornográfica’, do ‘vandalismo sexual’, da ‘poluição do sexo’, da ‘anarquia sexual’, apelavam para a autoridade, narrando seus infortúnios: ‘Acontece, meu caro senhor [que] minha senhora deparou com uma grande quantidade de material pornográfico [e viu] ruir sob seus olhos toda a estrutura que edificou’. O dono do material pornográfico era um menino que deixava de comprar o lanche na escola para adquirir as revistas e, durante o recreio, as mostrava, talvez lúbrico, às meninas. ‘Impressionante como essas crianças se deleitavam em ver tais cenas’, dizia um padre que registrara acontecimento assemelhado. ‘Jovens que, pela excitação sexual, são levados à masturbação, que prejudica o seu desenvolvimento físico e mental’, e à contestação. Em 1979, agastados com a programação infantil vesperal da TV, várias sedes do Lions Clube de São Paulo escreveram à DCDP pedindo providências. Era a ‘crise moral’, a ‘corrupção dos lares’, a ‘delinqüência juvenil’.
O artigo “Prezada Censura”: cartas ao regime militar do historiador Carlos Fico, de 2002, fonte da citação acima, mostra um outro lado da censura, ou seja, o apoio que esta atividade pode receber de alguns setores sociais. A íntegra do texto, com passagens hoje involuntariamente cômicas, está disponível aqui.

Postado por Richard Romancini

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