O trecho do texto acima, do professor Luiz Marques, que está no mesmo número do Braudel Paper do diário de uma estudante (aqui), adiciona mais um elemento imprescindível à formação de leitores: a leitura significativa, ou seja, a apreensão do texto que envolve discussões do conteúdo e a integração/reelaboração do mesmo à experiência do sujeito.Quando aluno, sempre fui um leitor voraz. Mas quando me tornei professor de português de escola pública, minha maior angústia era cumprir o cronograma, passar todo o conteúdo do livro didático, de forma que os alunos pudessem assimilá-lo até o final do ano letivo. Percebi que vencia do ponto de vista curricular mas fracassava do ponto de vista educacional. Os ‘conteúdos’ constituídos de exercícios e textos fragmentados não possibilitavam aos alunos desenvolverem seu senso crítico. Eu cumpria com o calendário, mas não estava formando leitores competentes.
Um dia, lecionando para uma turma de 3º ano de ensino médio, eu estava sem qualquer disposição de continuar a lição do livro didático. Tive a idéia de ler um texto que estava no meio dos meus papéis, o conto A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa. Antes de ler em voz alta propus aos alunos que elucidassem o mistério do ‘paradeiro’ do pai na estória. Inicialmente houve apatia de muitos e uma má vontade generalizada da sala em ouvir uma ‘estória chata’, segundo eles. Mesmo assim insisti. Li devagar, fazendo todas as entonações. Minha voz se embargava à medida que eu me emocionava com o texto, e meus olhos enchiam-se de lágrimas. A emoção tomou conta da sala. Enquanto a narrativa prosseguia vi um aluno de 18 anos apoiar a cabeça sobre a carteira e desmanchar-se em lágrimas. Outros jovens choravam. Ao terminar a leitura perguntei o que havia de marcante no conto e foram unânimes ao dizer que era a ausência do pai. Começaram a falar sobre a beleza da estória e descobri que a maioria não havia conhecido a figura do pai. Alguns haviam ficado órfãos cedo, mas muitos eram filhos de pais ‘desconhecidos’ ou que haviam abandonado o lar. Fiquei surpreendido com seu desejo de querer ouvir e ler mais textos de Rosa e outros escritores. Passamos a ler e discutir textos de autores como Clarice Lispector e Lygia Fagundes. Pouco a pouco, meus alunos começaram a agir criticamente elogiando ou não as leituras, preferindo ou preterindo este ou aquele texto ou escritor. Minha fuga do rígido currículo havia valido à pena: todos se envolveram.”
Muitos projetos objetivam favorecer esse tipo de atitude frente ao texto, entre eles, um do próprio Instituto Braudel chamado Círculos de Leitura, cujo site pode ser visto aqui.
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