sábado, 16 de fevereiro de 2013

Um filme aos sábados
Theodorico, Imperador do Sertão



Theodorico, Imperador do Sertão, documentário produzido para o programa Globo Repórter, em 1978, com direção de Eduardo Coutinho, foi o segundo filme documental deste diretor, sendo considerado um dos melhores documentários brasileiros de todos os tempos e um filme que prenunciou algumas das características da obra posterior deste cineasta, como a escuta atenta aos participantes de seus filmes e a abertura ao mundo destes. No caso, a obra tem a peculiaridade de abordar um membro da classe dominante, um curioso e anacrônico “coronel” do Rio Grande do Norte. O método de Coutinho funciona pela própria colaboração do personagem, que emite suas polêmicas opiniões sobre a poligamia (“A natureza é clara e mostra isso... Você veja, eu tenho dez galinhas no chiqueiro, só tenho um galo”), a política (“Na política, ficar contra o governo é errado"; “Na política não se diz não, só se diz sim”) e os trabalhadores rurais (“Não há motivo de aposentadoria do homem que não tem cultura”), com uma naturalidade e franqueza surpreeendentes e ingênuas.

É uma abordagem antropológica sobre um Brasil arcaico que permite perceber o sistema de relações sociais paternalistas, clientelistas e machistas que caracterizou diversas comunidades rurais sob a chefia e mando de poderosos, associados ao Estado, em particular no Nordeste brasileiro, durante boa parte da história dessas regiões. De certo modo, Theodorico era o sobrevivente de outra época.

No entanto, essas dimensões ganham vida não por uma crítica exterior e maniqueísta, mas sim no retrato espontâneo, e tanto quanto possível holístico, de um personagem que possui também características sedutoras, humanas, que o filme sabe mostrar. Essa é a grande qualidade de Coutinho; como nota o documentarista João Moreira Salles:

Na mão de qualquer outro documentarista, Theodorico, o Imperador do Sertão seria uma caricatura; vale dizer: não existiria. Poderia ser dispensado com um sorriso irônico. Ouvido por Coutinho, ele não apenas existe, como tem suas razões e é capaz de explicá-las. Concederam-lhe tempo para nos seduzir, e subitamente nos damos conta: um homem como Theodorico, dizendo o que diz, consegue ser fascinante. Essa é uma verdade difícil de admitir, mas, em relação ao poder e aos poderosos, existe lição maior a ser aprendida?”

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