domingo, 26 de julho de 2009

Fim do livro?

Falando sobre a convivência do livro e das novas tecnologias, vale a pena ler o artigo - publicado em 1994 na revista Estudos Avançados e disponibilizado na rede - de Arlindo Machado intitulado Fim do livro? (leia aqui).

É uma reflexão inteligente e provocativa, ao mostra as confluências existentes entre o conceito de “livro” e as mídias que lhe sucederam e que complementam e amplificam as formas humanas de guarda e transmissão do conhecimento. Abaixo, alguns trechos:

'A idéia de que o conhecimento é essencialmente um saber de livros', afirma Marshall McLuhan (1972:113), 'parece ser muito uma noção da época moderna, provavelmente derivada da distinção medieval entre clérigos e leigos, que veio dar nova ênfase ao caráter literário e um tanto extravagante do humanismo do século XVI'. McLuhan é bastante conhecido pelo fato de ter sido um dos primeiros intelectuais a denunciar o caráter uniformizador e seriado do paradigma introduzido no ocidente pela imprensa de Gutenberg. Nossas instituições intelectuais, entretanto, ainda parecem se deixar embalar pelas idéias esdrúxulas de que o conhecimento encontra-se associado exclusivamente ao modelo conceitual do texto impresso ou de que só se pode pensar com palavras, com palavras escritas preferencialmente. Persiste ainda largamente nos meios acadêmicos, sobretudo nas áreas das humanidades, uma tendência generalizada de confundir competência intelectual com talento para a escrita.

[...]

Falando sobre a dificuldade dos nossos contemporâneos em entender como a Europa pôde produzir rica tradição literária num período em que o livro impresso ainda não existia, Martin (1992:33) explica que, penetrados como estamos por uma cultura escrita, nossa imaginação não consegue ser suficientemente prodigiosa para compreender o mecanismo das culturas orais. 'Parece, contudo', completa ele, 'que, em nossa época, os novos meios de difusão não-escrita do pensamento, como são o cinema e sobretudo o rádio, deveriam ajudar-nos a conceber melhor o que pode ser, para milhões de indivíduos, uma transmissão de obras e de idéias que não mais use o circuito normal do texto escrito'. Levando em consideração o próprio conceito de livro já discutido acima (instrumento para dar consistência ao pensamento disperso e para ampliar o seu poder de influência dentro de uma sociedade), não poderíamos pois dizer que os filmes, os vídeos, os discos e muitos programas de rádio e televisão são os livros de nosso tempo?

[...]

Se o livro vai morrer ou não, essa é uma discussão restrita apenas aos círculos de filólogos, pois, no fundo, tudo é uma questão de definir o que estamos chamando de livro. O homem continuará, de qualquer maneira, a inventar dispositivos para dar permanência, consistência e alcance ao seu pensamento e às invenções de sua imaginação. E tudo fará também para que esses dispositivos sejam adequados ao seu tempo. A sabedoria, como dizia Brecht, continuará sempre passando de boca em boca, mas nada impede que estendamos um microfone às bocas que falam, para lhes dar maior alcance.”

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